domingo, 11 de março de 2012

Ser mulher (ou porque eu não parabenizo o dia da mulher)

Quinta-feira foi o dia internacional da mulher e eu resolvi abrir minha imensa boca e, como sempre, fui mal entendida. Afinal, venho vencendo o concurso de Miss Understood a vida inteira. Eu disse, via facebook, que não vejo nenhum significado especial no dia 8 de março e, por isso, não parabenizo ninguém. Aí me questionaram se eu não dou importância para as operárias que morreram no incêndio da fábrica, pelas quais o dia 8 de março virou o dia internacional da mulher. E eu sou obrigada a citar Kierkeegard, numa frase inicial da 'Experiência vivida', a segunda parte de 'O segundo sexo':
Que desgraça ser mulher! Entretanto, a pior desgraça quando se é mulher é, no fundo, não compreender que sê-lo é uma desgraça...
Simples, assim. Ou, como Simone já diz na primeira frase do livro 'ninguém nasce mulher. Torna-se mulher'. E esse é o meu ponto sobre parabenizar ou não as mulheres no dia 8 de março. Acho que as pessoas o fazem pelo motivo errado "parabéns, você nasceu com útero" ao invés de "parabéns por ser mulher".
Muitas vezes me acusaram de ser feminista. E friso a questão de ter sido acusada, porque acusação é sempre alguém apontando o dedo no que julga errado. E julgam mal o feminismo - aka o direito de escolher tornar-se mulher, transformando-o no antagonista do machismo. O feminismo ficou estigmatizado como ódio aos homens e a gente que é da área de comunicação sabe como é difícil reabilitar uma imagem. Mas, digressão a parte, me tomam por feminista também pelo motivo errado - o fato de eu ser lésbica. Uma dica - nem toda lésbica é feminista. E mulher machista existe em qualquer orientação sexual.
A questão do tornar-se mulher é mais embaixo. Orientação sexual, qualificações profissionais, credos e comportamentos individualmente não te tornam mulher. Mas o fazem, porém, em conjunto. Que me perdoe o sambista, mas Amélia nunca foi mulher. Afinal, Amélia era despida de vaidades, mas era escrava da vida doméstica e das vontades de seu homem. E mulher de verdade é livre.
Ok, delirei. Só que não. É diferente ser bonita e ser escrava da beleza, por exemplo. Em miúdos mais miúdos, é diferente gostar de maquiagem e usá-la em ocasiões especiais e não dar bom dia nem para o cachorro se não estiver bem maquiada. E não é só a beleza que escraviza a mulher. As responsabilidades domésticas, o mercado de trabalho, a falta de consciência do próprio corpo, tudo isso escraviza a mulher de alguma forma.
Não estou dizendo aqui que toda mulher deve andar mal arrumada, parar de trabalhar, deixar a casa um nojo e foder com o próprio corpo para ser livre. Estou dizendo que falta a consciência. A consciência de que não precisa fazer faxina todo dia. A consciência de que não precisa aceitar qualquer humilhação no ambiente de trabalho por ser mulher. A consciência de que pode sim dizer não para o ficante, namorado, marido quando não quer fazer sexo. A consciência de que você não deixa de ser um individuo e nem deve se anular ou se privar de viver porque teve um filho. A consciência de que aborto deve ser tratado como saúde pública e se pode ter o direito de escolher o momento de ter um filho ao invés de ser obrigada a tê-lo mesmo indesejado ou sofrer as consequências - muitas vezes fatais - de um aborto clandestino.
Enquanto as mulheres não tiverem consciência da amplitude - ou da desgraça - que é ser mulher, para mim, o dia 8 de março é só mais uma data no calendário.

PS: By the way, os links são do pdf dos livros. E vale muito a pena ler.