sábado, 9 de março de 2013

Passando um elefante pelo buraco da agulha

Ryan Murphy, num episódio da primeira temporada de American Horror Story falou "todas as pessoas acham que são engraçadas e que tem estilo. E, normalmente, elas não tem nenhuma das duas coisas". Pois bem. Com o advento da internet todo mundo acha que é engraçado, inteligente, apto a comentar tudo sobre todos os assuntos e que, sobretudo, seu conteúdo é extremamente relevante para o mundo e que ele (a) deve ganhar muito dinheiro com a internet pura e simplesmente por existir e ter uma conexão de banda larga.
Há algum tempo, quando eu trabalhava num projeto de startup - outra praga da internet: todo mundo acha que manja tudo de comunicação web e que pode fundar uma startup e se autodenominar CEO e ganhar muito dinheiro com isso - e uma pessoa me chama no Skype (que eu não uso por motivos de que acho chato e prefiro conversar com quem realmente me importa por outros canais) e me oferece uma parceria de trabalho.
Por motivos de que todo conhecimento e dinheiro são bem vindos eu topei a parceria. E nunca mais falamos no assunto, nem sequer falamos mais. Tempos depois, já de volta ao mundo mágico dos freelances, essa mesma pessoa torna a me procurar, desta vez pelo Google+, querendo retomar a nossa so called parceria. Questionou sobre o que eu fazia e, naquele período, eu me concentrava em 1- conviver com a morte de pessoas muito especiais e amadas e 2- entender estrutura e montar um e-book.
Como eu disse no começo, o pedantismo era tanto que esse ser acredita que seus textos extremamente reacionários - nível classe média leitora da Veja (#petralhas) - seriam um excelente conteúdo de um e-book e me convidou a editá-lo. E, por editar, entenda:
- ler e escolher os textos mais interessantes;
- editar erros de escrita;
- atualizar dados, datas e estatíticas;
- fazer arte da capa;
- e, por fim, diagramar.
Apesar de ser um trabalho razoavelmente complicado e demorado, eu topei. E com um prazo bem reduzido ao prazo normal que um trabalho desse porte demandaria. E agora, como profissional, e freelancer, e jornalista, e cliente, eu vou dar algumas dicas:
- quando se contrata um freelancer, a não ser que ele esteja alocado em um espaço seu, ele não é obrigado a responder somente a você e em qualquer momento que você achar conveniente (como depois do expediente ou de madrugada, por exemplo);
- leia bem um orçamento/proposta de trabalho e condições antes de aceitar o acordo;
- documente e formalize tudo por email;
- seja bastante claro sobre seu budget. Tente negociar sempre o melhor acordo para si e para o profissional contratado;
- jamais peça que ele (o freelancer) faça o trabalho de graça/ por um valor irrisório. Você não é a pessoa mais importante do mundo (e ainda que fosse), isso é o trabalho dele. Assim como você, ele veste, come, dorme, tem casa, família e contas a pagar;
- acompanhe o trabalho, leia os emails, veja todos os anexos, faça anotações e apontamentos de erros, mudanças e melhorias.
Pois bem, essa pessoa em questão ignorou todas essas dicas lindas que eu dei de como tratar seu freelancer. Num nível de me mandar emails no Natal para pressionar prazo. Num nível de por em xeque a minha idoneidade e dizer - com essas exatas palavras - que eu estava mudando o combinado para me dar bem.
Mas, felizmente, eu já aprendi bastante como freelancer nessa vida. Alguns clientes fazem um voto de confiança e te deixam livre para fazer seu melhor trabalho para aquela situação. Outros clientes gostam de aprovar tudo antes (e, normalmente, mexer em mecânicas que eles não dominam), mas que acatam a sua recomendação como especialista naquele determinado tema. Outros ainda gostam apenas de dar ordens e achar que comandam coisas muito importantes quando, na verdade, não entendem e não querem entender nada sobre tema algum. Não entendem seu trabalho, as mecânicas, as flexões de prazos, o mercado em que querem se inserir e sempre acham que são uma espécie de divindade a ser reverenciada e sempre, sempre, SEMPRE vão dizer que estão pagando demais pelo seu trabalho, que ele considera pífio.
Infelizmente, esse cliente em questão era do último tipo. Do tipo que não lia um email, queria conversar por hangouts o tempo todo para falar absolutamente nada de relevante e, mesmo antes de pagar, jogava na cara que pagaria um valor muito abaixo do razoável para um trabalho de tamanho porte - como se o pagamento fosse algum tipo de caridade ou benevolência, não o acordo por um trabalho executado.
Na primeira vez que a qualidade do meu trabalho foi questionada, eu relevei, refiz e expliquei todos os revéses que a redução do orçamento teria na finalização do trabalho - afinal, não se compra uma Ferrari pelo preço de uma Kombi. Na segunda vez, ponderei mais um pouco. Na terceira, tive de me fazer bastante clara de que não dispensaria mais do meu tempo de trabalho com algo que já estava finalizado.
Então achei bastante interessante, para não dizer imaturo, receber um novo email sobre este assunto. Dessa vez um email bastante claro, atacando mais uma vez a minha idoneidade e a qualidade do meu trabalho. Ponderei sobre responder ou não, mas não contida, tive de fazer essa resposta. Estou, mais uma vez, sendo polida - para não dizer bacana - de explicar como tratar trabalhos com um freelancer e ressaltar a importância de ler tudo o que lhe é enviado antes de concordar ou discordar.
Por fim, quero deixar bastante claro, senhor cliente, que a minha disponibilidade, meu tempo, minha conexão de internet, minha conta de luz e, principalmente, a minha paciência foram pagos com o valor cobrado por esse trabalho. Você não fez nenhuma caridade nem nada do tipo, ainda que o resultado não seja aquele que você esperava.
Quero aproveitar, mais uma vez, para lhe dar mais uma dica - procure conhecer bem um mercado antes de tentar se inserir nele e ~ganhar muito dinheiro com isso~. Afinal, sabemos bem que alguns cliques aqui e alguns ali, sua reputação e a de sua empresa poderiam ter sido prejudicadas se eu fosse a pessoa indecentemente desonesta que você tantas vezes sugeriu que eu seja. Assim sendo, sinta-se grato de eu dar esse assunto por encerrado e ter mais com o que me preocupar.
Espero, sinceramente, que você encontre alguém com seu repertório e que adapte seu conteúdo reacionário à sua respectiva caixa reacionária e que você tenha tanto sucesso quanto se é possível ter com tamanha mediocridade intelectual. E que tire desse case uma experiência, assim como eu tirei uma que um velho e sábio dito popular repete há decadas - quando a esmola é demais, o santo desconfia.