sábado, 31 de julho de 2010

Caraminholas na cabeça.

Sobe a escada e fecha a porta. A porta aberta a incomoda como se alguém arranhasse uma lousa. Fecha a janela também. Porque o barulho da rua irrita. E porque sempre sente frio se deixa a janela aberta à noite. Sabe que esse frio, principalmente hoje, é psicológico, mas sente os pés ficarem gelados, muito embora mantenha uma blusa sem mangas. Veste meias. Pega uma manta e se joga no sofá, porque o cabo do computador não alcança a cama e o computador não funciona sem o cabo.
Nada na internet. Um bilhão de canais e nada na tevê, que continua ligada e sem som, só pra fazer companhia (?). Liga uma playlist no computador. Pega o livro. Deve ter seis meses que está lendo esse livro. Leu outros 10 nesse período. Lê umas dez, talvez vinte páginas. Fecha o livro.
Pensa no sonho bom que teve essa noite. E que sabia que estava sonhando. Tinha gritado, no sonho, que sua interlocutora aparecia apenas para provocá-la e saía andando. E a chamava de covarde. Porque é fácil provocar alguém que está dormindo, queria vê-la provocar de verdade.
Abre o livro novamente. Pisca uma janela no msn. Dá atenção para a amiga no msn e diz pra si mesma que isso não é desculpa para colocar o livro de lado novamente. É que ela prefere conversar a ler hoje.
Levanta, abre a janela, observa a prima brincar com uma bola de futebol e o cachorro comer as plantas do quintal. Sente que não pertence a casa dos pais. Pensa sobre pertencer e, se um dia, pertenceu de fato a esse lar. Ri da quantidade de bobagens e inseguranças e medos que passam pela sua cabeça.
Ri alto, dessa vez. "Até na minha cabeça só passa merda hoje". Pensa em ligar pra várias pessoas. Olha pro celular jogado no meio da cama. Pensa que gostaria de trocar de aparelho, mas que os aparelhos que ela gostaria de ter no momento estão muito além do que ela pode afortar. Abre o livro de novo. Fecha o livro de novo.
Pensa em algumas amigas que estão se arrumando para sair e que a convidaram para ir junto. Gostaria de ser do tipo que topa qualquer coisa num sábado à noite, inclusive sair apenas com o dinheiro do transporte e contar com a sorte e algum idiota que tope pagar bebidas, como fazem suas amigas.
Pensa que conhece pelo menos umas três idiotas que estariam dispostas a pagar bebidas para ela. Mas isso implicaria em uma ressaca eterna. O telefone, ainda jogado no meio da cama, começa a tocar Bad Romance. Ri em desaprovação. Tem idiota que, só de pensar, sente e acha que é motivo pra aparecer e foder com tudo. Ignora o telefone tocando.
Muda de posição porque as costas doem. Dá uma olhada pra tevê. A novela com sotaque ainda está passando. Ela odeia novelas com sotaque, principalmente se o sotaque for italiano. Riscou a Itália da lista de lugares que ela gostaria de conhecer só por causa das novelas com sotaque italiano. Imagina o quanto deixaria sua avó paterna chateada de ouvir uma coisa dessas e o quanto ela falaria de como a Itália é linda e blá blá blá.
O Bad Romance insiste. Ela agradece à tecnologia por toques diferenciados para os contatos, porque assim ela pode ignorar ligações indesejadas sem precisar se alongar para pegar o telefone, que continua jogado no meio da cama.
Na verdade, o que a tem deixado inquieta são dois verbos totalmente diferentes, mas que estão travando uma batalha assustadora em sua cabeça. Querer e precisar. Pensa em sua fé questionável. Sempre que se deixa abalar por alguma coisa, questiona sua fé. Conclui que é muito feio admitir isso para mais alguém que não seja ela mesma.
Chacoalha a cabeça na esperança de afastar esses pensamentos. De falta de fé e do que é mais importante entre querer e precisar. Sabe que não tem muita escolha e sabe que o precisar racionalmente vence o querer. Queria que alguém a convencesse do contrário. Chacoalha de novo a cabeça. Tem muito tempo ainda pela frente, nesses dias que virão. Deixará que o tempo resolva as coisas. Decide confiar no tempo. Não que ela já tenha confiado nele antes, mas, quem sabe, a experiência seja boa (?). Respira fundo, fecha os olhos. E resolve pensar nisso tudo depois.

Nenhum comentário: